Pecuarista de Nova Guarita, MT, usa parceria com agricultor para obter pastos na entressafra e consegue reduzir ciclo de produção, fazendo pecuária “sem sustos”.
Nada de índices produtivos explosivos. Nilson José Michels, proprietário da Fazenda Rainha da Paz, de 1.100 hectares (ha), situada em Nova Guarita, norte do Mato Grosso, prefere equilíbrio operacinal, renda estável e uma pecuária sem sustos. As atividades de recria e terminação intensiva a pasto (TIP)são conectadas às da Fazenda Mata Verde (1.240 ha de área total em Terra Nova do Norte), onde é trabalhada a cria. Nas três últimas safras (2015/2016, 2016/2017e 2017/2018), o sistema, que tem como pontos de sustentação a genética, a suplementação e o manejo, contabilizou um lucro líquido médio (resultado produtivo da pecuária) de R$ 346,90/ha, sem registros de saltos e depressões financeiras entre os ciclos. Michels espera resultados melhores a partir de 2019,ano em que foram abatidos os primeiros animais recriados em um pasto de inverno estabelecido para alto desempenhono período mais seco (geralmente entre final de junho e início de outubro). Ele reservou 250 ha da Rainha da Paz para fazer integração lavoura-pecuária (ILP). Porém, como não se considera apto para fazer agricultura,decidiu terceirizar a atividade, utilizando o seguinte esquema:o produtor parceiro planta a soja, colhe, lhe repassa o equivalente a 10 sacas/ha como remuneração pelo arrendamento (R$ 580/ha, com a saca a R$ 58), semeia capim ruziziensis (sementes fornecidas por Michels) elhe entrega um exuberante pasto em pleno mês de maio. Essa área passou a ser usada para a recria dos animais recém-desmamados que chegam da Fazenda Mata Verde.A primeira leva (407 bezerros) passou pelo pasto de ILP em 2018 e foi terminada entre junho e julho de 2019, com idade entre 21 e 22 meses e peso médio de 19,57@. Essa operação, que envolveu o abate de 637 animais (além dos machos, 108 novilhas e 122 vacas de descarte), gerou lucro líquido de R$ 710,85 por cabeça,equivalente a uma margem de 34,38% por boi,considerando-se um custo de produção de R$ 1.992,06/cabeça e a comercialização da arroba a R$ 142 (receita bruta de R$ 2.778,27 por boi, menos taxas e impostos equivalentes a R$ 75,37/animal). A “ILP terceirizada”, como é chamada na fazenda,foi pensada como forma de consolidar um modelo de produção iniciado na safra 2015/2016 que busca abater animais aos 21 ou 22 meses de idade com peso médiode 19 @, todos trabalhados a pasto com suplementação estratégica de baixo consumo até a véspera da terminação.No pasto de ntegração, níveis de suplementação iniciam com o equivalenbte a 0,2% do peso vivo (PV).De acordo com a assessoria técnica da fazenda, deveria ser de 1% do PV, não fosse a disponibilidade forrageira. Antes de conseguir reduzir seu ciclo, a fazenda abatia animais com 36 meses de idade e peso de 20@. “A gente trabalhava com uma boiada maior, em torno de 1.500 cabeças, degradava a terra e dificilmente matava acima de 500 animais. Hoje, abatemos em torno de 1.000 animais,com fluxo anual, ou seja, uma safra vai para o frigorífico e outra chega”, conta o produtor.
Pesagem mensal
Para a redução do ciclo produtivo, Michels investiu em um programa de melhoramento genético (o Nelore Qualitas) e em uma estratégia nutricional complementar ao pasto. O giro mais rápido lhe permitiu liberar área para ILP. Esta, por sua vez, passou a oferecer combustível para o sistema a ponto de os abates, em 2019, terem sido concentrados dentro do último ano agrícola (iniciado em 1º de julho de 2018 e encerrado em 30 de junho deste ano). A antecipação foi de 30 dias, aproximadamente, em relação a 2018, quando os animais foram abatidos na primeira semana de agosto. Esta é a segunda experiência do pecuarista em cooperação com agricultores. “Anteriormente, cheguei a ceder 100 ha dentro de outro modelo. O parceiro plantava e colhia a soja para si. Depois cultivava milho na segunda safra, entregando a produção para que eu pu-desse tratar a boiada. Toda a parte operacional ficava com ele. Eu apenas comprava insumos. Infelizmente, não vingou, pois ele saía muito da janela de plantio.
Ao final apareciam talhões com 100 sacas e outros com 40 sacas de produtividade por hectare. Para evitar este problema, acabei fazendo uma opção bem mais vantajosa com outro parceiro, mais experiente, que já cultiva 2.700 ha na região. Aproveitei e elevei a área arrendada de 100 para 250 ha. Agora, recebo o valor do arrendamento em sacas de soja e ainda ganho o pasto”, conta, satisfeito.
O novo modelo animou Michels a investir mais na ILP terceirizada. Em 2021, quando vence o atual contrato de arrendamento, ele pretende propor renovação oferecendo ao parceiro uma área em torno de 500 ha,mantendo apenas 250 de pasto fixo. O interesse deleé redimensionar as operações entre as duas fazendas. “Gostaria de trazer todas as fêmeas pós-desmame para recriar e emprenhar na Rainha da Paz. Esses animais somente sairiam da fazenda para parir na Mata Verde, que se transformaria em uma espécie de berçário. Também quero terminar o descarte por lá, para evitar custo de frete”, projeta. Até 2018/2019, as vacas de descarte e as fêmeas que não vingaram na estação de monta foram finalizadas na Rainha da Paz.
Produção equilibrada
Josinaldo Zanotti, diretor da Geagro Soluções Gerenciais, franqueada do Instituto de Métricas Agropecuárias (Inttegra), que dá consultoria às fazendas de Michels, vê vantagens na ILP terceirizada, muito além de uma renda líquida equivalente a 10 sacas de soja/ha e de se obter, como retorno, um pasto de alta qualidade e adubado. “O produtor acaba sendo beneficiado pela agricultura sem botar a mão nela. Portanto, não tem o compromisso de imobilizar dinheiro em maquinário, escapa dos custos de implantação agrícola e também dos riscos daquilo que chamamos de curva de aprendizado, período geralmente carregado de imprevistos e ajustes até que se aprenda a lidar com uma atividade diferente, de nível tecnológico bem distinto”, diz ele. A integração terceirizada, segundo ele, segue a mesma filosofia do sistema de produção pecuária: “Foi pensada para produzir com equilíbrio”.
A adoção de uma rotina de controle dos animais dentro da Fazenda Rainha da Paz foi fundamental para a redução do ciclo e a manutenção de um calendário bem afinado ao longo das últimas safras de carne, além de permitir ajustes nos pastos fixos e de integração. Um dos principais hábitos da equipe de campo é a pesagem periódica, a cada 30 dias. “Essa prática facilita muito a tomada de decisões e de forma rápida”, avalia o pecuarista, citando como exemplo as diferenças de desempenho encontradas neste ano em um dos lotes, devido a problemas no abastecimento de água. “Percebemos que esses animais estavam apresentando um ganho médio diário de 700 g/cab, enquanto a média dos demais era de 800 g/cab.
Ao checar as causas disso, verificamos que o bebedouro estava com a água muito suja e os animais tinham dificuldades em se aproximar para beber. Mudamos o lote para outro pasto e o desempenho se equalizou”, relata. Michels considera que os resultados obtidos na fazenda “desmistificam” a tese de que animais levados à balança frequentemente acabam perdendo peso. “Isso depende muito de como o manejo é realizado. No nosso caso, o pasto mais distante do curral fica a 1 km, o que reduz o estresse. O trabalho é feito por cinco funcionários. Uma parte atua dentro do curral e a outra externamente, na movimentação dos animais. É tudo muito rápido e tranquilo.
Do início da manhã até o final da tarde, conseguimos pesar 770 animais”, garante. A pesagem periódica e o fato de ter estes dados atualizados ao alcance das mãos também facilita o programa nutricional na Rainha da Paz, que é complementar ao uso da pastagem. “Assim não ficamos no achismo e identificamos qual estratégia de suplementação devemos usar, acompanhando seus resultados e fazendo eventuais ajustes”, explica o produtor. O acompanhamento técnico do programa nutricional do rebanho é feito pela Fortuna Nutrição Animal,empresa sediada em Nova Canaã do Norte, MT.
Os níveis de suplementação são crescentes e avançam em função da necessidade de complementação do pasto. “Como a fazenda tem excelente produção forrageira na entressafra, garantida em boa parte pela integração terceirizada, começamos a oferecer concentrado na proporção de 0,2% do peso vivo para os animais saídos da desmama, em início de recria. Esse suplemento prioriza fundamentalmente o aumento da imunidade do bezerro através da inclusão de aditivos. “A quantidade é mínima”, explica Thiago Alves Prado, gerente de pesquisa e desenvolvimento da Fortuna. Segundo ele, nesta fase, o normal (não fosse o pasto de ILP) seria usar 1% do peso vivo. Entretanto,mais ao final do período seco (setembro/outubro), a suplementação aumenta para 0,3% do PV, permanecendo assim até dezembro. No mês seguinte sobe para 0,5%, atingindo percentual equivalente a 0,8% do peso vivo em fevereiro. “Este aumento gradual em níveis bem baixos se justifica pelo excesso de chuvas, que geralmente ocorrem nos meses de janeiro e fevereiro. Usamos pouco concentrado, pois todos os cochos são descobertos. Não podemos perder produto”, justifica Prado. “Em março, a suplementação passa para até 1,2% do peso vivo. De maio até junho, já na reta final de terminação, o fornecimento sobe para 2%, com algumas variações, dependendo do desempenho de cada lote”, observa.
Os ingredientes da ração de alto consumo são adquiridos por Michels e misturados na fazenda. O núcleo mineral é fornecido pela Fortuna, que ainda cuida do receituário e da assistência técnica para padronização de qualidade. O milho, principal item da dieta, é adquirido preferencialmente em propriedades vizinhas. Na composição, também entram farelo de soja e torta de algodão.
Assim que houver disponibilidade na região, Michels pretende substituir parcialmente o milho moído e o farelo de soja pelo DDG (Dry Distillers Grains ou grãos secos de destilaria), coproduto da indústria de etanol à base de milho. Isso ainda não é feito devido ao custo do frete que, segundo ele, deixaria a ração mais cara. Por enquanto, o ponto mais próximo para compra do DDG fica em Lucas do Rio Verde, cerca de 350 km de Nova Guarita. A expectativa é de que, com a entrada em funcionamento da unidade industrial da empresa paraguaia Impasa, em Sinop (menos de 200 km da fazenda), o uso desse coproduto se viabilize.
Genética Mata Verde
Tanto a Fazenda Rainha da Paz quanto a Mata Verde integram um negócio familiar. Nilson Michels é o gestor da Agropecuária Mata Verde, enquanto seu irmão, Marcelo André Michels, cuida da parte de produção de sementes. O irmão mais velho, Éder Aldo Michels, e seus pais, Audolino Michels e Nédia Bau Michels, residem em Santarém, no Pará, onde administram atividades de armazenamento de cereais, secadores de grãos e beneficiamento de arroz. “Sempre foi nossa meta trabalhar com um grupo de animais mais precoces. Há 20 anos, começamos a investir em inseminação artificial com esse objetivo. Cheguei a trabalhar com cruzamento industrial, mas deixei isso de lado quando conheci o Nelore Qualitas. Entrei no programa em 2011 para fazer melhoramento genético do rebanho zebuíno”, diz Nilson Michels. Focada em precocidade, habilidade materna e ganho de peso por meio de eficiência alimentar, a genéticaMata Verde é voltada à aplicação dos resultados no próprio rebanho comercial. Entretanto, eventualmente Michels comercializa alguns touros. A estação de monta é curta: 70 dias (30 de outubro a 8 de janeiro). Os nascimentos ocorrem de 15 de agosto até início de novembro. O período de desmame também ficou mais curto. Neste ano, começou em 26 de abril e terminou em 11 de maio. Após deixar o pé da mãe, os animais ainda permanecem alguns dias (período variável) na Mata Verde, o suficiente para mitigar os efeitos de um eventual estresse pós-desmame. “Eles seguem para pastos cercados, sempre vizinhos às vacas, onde recebem um leve proteinado. Após o terceiro dia, já começam, paulatinamente, a dispensar as mães”, relata Michels. As fêmeas desmamadas com peso acima de 170 kg são destinadas ao desafio de reprodução aos 14 meses de idade.