O estoque de rebanho bem feito reflete em metas robustas
Josinaldo Zanotti – Zootecnista com Mestrado em produção animal. Especialista em Gestão e Planejamento Agropecuário desde 2013. Gestor da Geagro Soluções Gerenciais, Sinop, MT. Fraqueado do Instituto Inttegra de Métricas Agropecuárias.
“Quantas cabeças têm aqui?” Essa é uma pergunta natural na primeira visita a uma fazenda de pecuária de corte para uma consultoria em gestão. E, na maioria das vezes, a resposta é “cerca de” ou “umas” 2000 cabeças, por exemplo. Caso fosse feita uma segunda pergunta, sobre o saldo na conta corrente da fazenda, com certeza, o pecuarista saberia ou consultaria de forma rápida o valor exato, até os centavos. Se ambos equivalem ao capital da fazenda, por que há dois pesos e duas medidas em seus controles?
Na prática, ao não controlar rigorosamente o estoque de animais o pecuarista desconhece o volume exato de dinheiro que tem na mão. Ele “acha” que sabe. E, quando passa para uma segunda etapa de planejamento e gestão de metas descobre muitas inconsistências que o impedem de atingir seu objetivo. Mesmo as fazendas com controles implantados, precisam exigir rigor na anotação de seu estoque de animais, mês a mês. É a partir dessa informação que derivam todos os processos para maior ganho de peso, de faturamento ou de rebanho.
O estoque da fazenda é como um raio-x do rebanho acompanhado mês a mês, devido as entradas e saídas de animais. Ele consiste na anotação do número de animais, seu peso, sexo e idade. Se possível, complementar com a referência do valor da arroba na região. As informações de sexo e idade irão nortear as categorias em que os animais serão divididos. Recomenda-se que elas sejam simples e usuais para cada fazenda, por isso há variações entre projetos. Normalmente, dividem-se as categorias em bezerros, que são os animais até o desmame com oito meses; animal jovem (oito meses até os dois anos) e os com mais de dois anos (adultos). As vacas de reprodução podem ser subdivididas em fêmeas precoces, para quem faz o desafio de emprenhar aos 14 meses; primíparas e pluríparas. A evolução de rebanho, ou seja, quando os animais vão mudar de categoria deve ser feita apenas uma vez ao ano para evitar erros.
A partir dessa organização será necessário registrar o peso dos animais para calcular a média de peso de cada categoria, pelo menos uma vez por ano. O pecuarista deve estipular a data fixa para a pesagem dos animais e ser rigoroso. Se fizer a pesagem em junho e, no outro ano, somente em outubro, por exemplo, haverá diferença de números de meses, estação, peso e perde-se o poder de comparação do projeto. Sem compará-lo não há como saber se está crescendo ou definhando. Portanto, ao adotar o conceito de safra, de julho a junho, a recomendação é que o controle de estoque seja fechado em junho. Para o manejo, essa data também é viável, pois se reúne a prática da vacinação obrigatória de maio com a pesagem. Para alguns casos, haverá apenas o ajuste de um mês nos cálculos, com base na informação de ganho de peso. Lembrando ainda que o estoque final de uma safra, automaticamente, será o estoque inicial de outra.
Pesagem até de vacas?
Sim, por que não? Em uma fazenda de cria e de ciclo completo essa categoria é muito importante. Certa vez em uma fazenda no Mato Grosso, com 2.788 vacas, o proprietário disse que não pesaria as fêmeas, pois “sabia” que elas pesavam 450 kg, em média. Para tirar da dúvida, acabou cedendo e descobriu que a média estava em 471,16 kg. A diferença por animal era de apenas 21,16 kg, porém, representava 1.966@ no rebanho. Essa descoberta impactou de duas formas no projeto: primeiro na gestão de resultado, já que o cálculo de @/ha/ano estava subdimensionado, pois ele não considerava o peso correto dos animais. Depois, no planejamento nutricional que estava deficiente, pois a exigência dos animais era maior do que o programado. Aprofundando ainda mais nas contas, considerando o consumo de pastagem de 2% de peso vivo em matéria seca, há uma diferença de 0,42 kg por animal ao dia, o que representava 35.400 kg de matéria seca de capim no mês que não eram contabilizados no planejamento. São detalhes, cada vez mais exigidos pela pecuária de precisão.
Ao pensar em rebanho, o controle de estoque passa a fazer ainda mais sentido. É muito importante que o pecuarista deixe de ter a visão focada no individual, para que passe a ter a visão de rebanho, ou seja, em sua lucratividade total. É comum que se queira um bezerro pesado, com 8@, por exemplo, no desmame, mas quando o foco da produção está na unidade, ele deixa em segundo plano as metas de rebanho. Indicadores como maior ganho médio diário (GMD) ou a produção de arrobas por hectare ano (@/ha/ano) recebem menor atenção. Como são menos palpáveis, as medidas de rebanho parecem mais subjetivas, a primeira vista. Porém, na verdade, elas são as de maior impacto na gestão do projeto.
Deve-se reconhecer que é a partir do controle de estoque de animais que nascem as metas e planejamentos da fazenda, como também há informação básica para o cálculo de indicadores. Se isso não acontecer, de nada adianta acumular informações de controle. Essa será a grande diferença de mudança da fazenda, pois passa a ter planejamento e deixa de ir na onda do vizinho. O pecuarista passa a marcar data para vender os animais e aproveita os preços de alta na região. Ele define metas para a compra e tipo de animal e poderá também organizar melhor a sua estratégia nutricional.
Em um caso real, na fazenda Colorado, de recria e engorda, localizada em Tapurah, MT, a safra fechou com GMD de 0,377 g por animal e a meta para a safra seguinte era de 0,529 g por animal. A partir da análise de estoque, o pecuarista Fernando Vilela Neto constatou as categorias que tinha na fazenda e qual seria o tipo animal que faltava para atingir sua meta. Ele escalonou a compra de acordo com os meses de melhor preço e buscou um gado mais padronizado. Com isso houve foco para toda a equipe. Resultado foi a superação da meta estipulada com ganho médio de 0,572 por animal no fechamento seguinte. Apesar do maior desembolso, já que o gasto por animal ao mês passou de R$ 46,87 para R$ 57,39, o resultado, foi de negativo R$ 9,74 R$/ha/ano para R$ 532,26 R$/ha/ano.
Resultado Fazenda Colorado em duas safras
Além disso, a empresa valeu-se de melhor planejamento forrageiro para reduzir o ágio de compra da reposição. Sabendo que em maio há uma redução de preço, em razão da seca que começa na região, a empresa abasteceu-se de alimento. Transferiu as compras de novembro e dezembro para o período de maio a agosto e buscou um animal com perfil específico. Resultado foi uma queda de 28,80% para 13,74% no ágio. Nas compras, além do planejamento, a fazenda passou a comprar animais com maior peso individual, contribuindo para a queda do ágio. Quem se planeja e tem comida, tem maior poder de negociação e coloca preço na boiada.
Por fim, ao precificar o estoque, considerando o peso médio dos animais de cada categoria e o valor médio da arroba na região, é possível trabalhar ainda melhor o fluxo de caixa e metas financeiras. Em Terra Nova do Norte, MT, na Fazenda Mata Verde, da família Michels que faz ciclo completo, na safra 2015/2016, a variação de estoque de rebanho foi negativa (- R$ 390 mil), pois o líder optou por mudar o perfil da criação com a venda de machos tardios, entre dois e três anos. No ano seguinte (2016/2017), com maior retenção de fêmeas e avanço no ganho médio diário, o que contribuiu com machos mais pesados ao final da safra, a variação de estoque foi pra R$ 1,620 milhões. Já na última safra (2017/2018) a fazenda registrou variação de estoque de R$ 340 mil, já que passou a uma fase de estabilidade de rebanho.
No banco, a conta do pecuarista ficou inversamente proporcional ao estoque de rebanho. Quando tinha mais gado na fazenda, ele tinha menos dinheiro e vice-versa. Dessa forma, soube aliar as duas fontes para tirar o melhor proveito. É um exemplo da importância de controlar a conta no banco e também o estoque na fazenda para que tenha o melhor desempenho produtivo e financeiro do negócio.